“Sem Amor” ou “Loveless”, em inglês, é um filme russo que conta a história do desaparecimento de um menino de 12 anos, Alyosha. Este desaparecimento se dá depois que ele ouve uma discussão entre seus pais sobre quem iria ficar com ele depois da separação, até então estão vivendo todos no mesmo apartamento enquanto não é vendido.
Tanto o pai quanto a mãe estão em outro relacionamento. A namorada do pai está grávida e uma das preocupações dele é com seu emprego, pois trabalha numa empresa conservadora que não vê com bons olhos o divórcio. A mãe fica o tempo todo no celular e está bastante focada no seu novo relacionamento com um homem bem sucedido financeiramente.
O menino chora com tristeza ao ouvir os pais discutindo e desaparece no dia seguinte. Os pais levam um dia e uma noite sem ver o filho, a mãe toma conhecimento da sua ausência através de um telefonema da escola. Depois disso, a mãe chama a polícia e avisa o pai. Quem se ocupa da busca de Alyosha é um tipo de ONG que vai se empenhar em procurar o menino.
A cena do menino chorando sozinho é tristíssima e o filme transmite bem este isolamento dos pais com relação ao filho. É Alyosha quem dá a “solução” para o problema dos pais, uma saída trágica pois sai de casa e desaparece. Seus pais não estavam apenas se separando, rompendo um casamento, estavam também se afastando do filho.
Ser criança e adolescente implica uma condição muito diferente da condição de adulto. Um problema conjugal é um problema que não diz respeito às crianças. Obviamente que a criança percebe o ambiente do casal quando estão bem ou não, entretanto ela não tem condições nenhuma de se colocar diante disso. A relação que um homem e uma mulher têm conjugalmente não é a mesma que este homem como pai e esta mulher como mãe têm com seus filhos. Numa separação, a relação conjugal do casal é rompida, mas a relação entre eles como pais e com seus filhos pode ser preservada.
A história contada através do filme, da qual somos testemunhas como espectadoras e espectadores, é triste, nos compadecemos do menino de 12 anos que se vê numa situação de abandono por parte de seus pais. Se podemos nos entristecer com este personagem é que reconhecemos também em nossa história a condição de criança.
Enquanto criança, diante da separação dos pais e daquela discussão onde eles dizem explicitamente que não querem ficar com o filho, Alyosha não tem o que fazer. É muito fácil para qualquer criança entrar em sofrimento quando ela se vê às voltas com problemas dos adultos, as crianças não têm possibilidade nenhuma de se ocupar destes problemas.
Todas as crianças vivem com suas famílias ou com adultos que se ocupam delas, elas estão imersas neste universo e sabem quando as coisas não estão bem, também passam pelas turbulências vividas pelas pessoas que as rodeiam, a questão é os adultos precisam tomar estes problemas para eles e não colocarem as crianças como parte disso.
No caso do filme, há uma tensão entre o casal que está em separação e a situação se torna mais tensa, talvez por estarem ainda vivendo no mesmo apartamento. Cada um já aponta para uma outra vida com novos parceiros aonde Alyosha não está incluído.
Uma criança se sensibiliza e percebe as dificuldades vividas pelos adultos, mas o que é sofrido para ela é se ver como parte deste sofrimento e que seus pais não se ocupam disso em nome deles. É uma carga muito grande para um menino se ocupar de assuntos relativos à separação dos pais, por outro lado é tranquilizador para a criança saber que os pais podem estar passando por dificuldades e que eles vão se incumbir de resolvê-las. Isso precisa ser dito explicitamente para a criança. Um pai pode dizer algo do tipo a seu filho ou filha: “Eu e sua mãe estamos nos separando, isso está sendo difícil para todos nós, mas estamos cuidando disso, continuaremos te amando e cuidando de você.”
Toda criança sabe que precisa de seus pais, é algo vital para ela e numa separação é inevitável o medo de ser abandonada, isso pode ser muito assustador se for vivido de maneira em que as coisas não fiquem claras e que a criança se veja parte do problema, ou pior, no papel de resolvê-lo. O resultado é sofrido com certeza e pode ser desastroso como no filme onde a solução que Alyosha encontrou para o impasse de seus pais foi a sua retirada da vida deles. É muito forte pensar, mas é uma possibilidade, que este menino de 12 anos tenha buscado o suicídio como saída para seu sofrimento, é um extremo. Os pais de Alyosha foram se dando conta deste extremo no desenrolar da história do desaparecimento do filho, foram falando de algumas escolhas como a de se casarem e terem tido um filho que talvez não aparecessem antes.
Por exemplo, a mãe, durante a busca do filho, numa conversa com o ex-marido, fala que nunca gostou dele, que engravidou sem querer e que decidiu se casar como uma forma de deixar de viver com sua mãe com quem nunca teve um bom relacionamento. A escolha aqui tem a ver com sair da casa da mãe e não de se casar, tampouco parecia ser uma escolha ser mãe, entretanto teve um filho. Quando se trata de desejo, há muitas variáveis, nem sempre nosso desejo é consciente e nem sempre ele é possível, por exemplo, que uma mulher rejeite uma gravidez não significa necessariamente que ela não queira ser mãe, no caso do filme, o fato dela ter tido uma criança não a torna mãe.
Frente à dor do desaparecimento do filho, estes pais puderam reconhecer suas faltas como pais, mas o pior já havia acontecido. Nesta história, com o passar do tempo, as escolhas que pareciam tão importantes para este homem e esta mulher, suas prioridades no início do filme que não incluíam o filho, voltaram a se fazer presentes em suas vidas depois do desaparecimento do filho. Assim como no primeiro casamento ela parece entediada com seu novo parceiro rico e ele entediado morando com sua atual mulher, sogra e seu novo filho.