A discussão no Brasil sobre a redução da maioridade penal é frequente. Dessa forma, a minha proposta aqui é pensar a maioridade para além da questão penal.

Na pergunta feita a vários pensadores da época por uma revista alemã Berliniche Monatschrift (1784)*, sobre “O que é o Iluminismo?”, Kant responde: “O Iluminismo é a saída do homem de sua autoculpável ‘menoridade’…”, ou seja, para ele o iluminismo é a passagem da menoridade à maioridade por uma atitude de ousadia.

Pois bem, em 1784, ainda não existia a psicanálise. O que Freud introduz a partir da experiência clínica, da escuta de pacientes é o querer saber sobre nossa origem (de onde viemos) e o que é ser um homem e uma mulher (a diferença sexual). Este querer saber não é apenas da ordem intelectual, mas se trata de algo, de uma pulsão inconsciente, afinal nascemos do sexo e sem saber falar. É esta condição precária a que chegamos ao mundo que nos dá a possibilidade de desenvolvermos como humanos, diferente de qualquer outro animal.

Quando este pequeno humano se desenvolve numa sociedade como a nossa, onde ele praticamente só pode ser inserido pelo que ele produz de bens materiais consumíveis, sobra muito pouco espaço para que ele possa se sentir parte deste meio de outra forma, como por exemplo, sendo crianças e adolescentes que não produzem “nada”, mas consomem. Pronto, aí eles são inseridos, como consumidores, seja de canais de TV, roupas, comida, equipamentos eletrônicos…

O estado de menoridade não é designado apenas a crianças, idosos ou doentes que precisam do auxílio de outros para conseguirem se desenvolver e viver; ele considera como uma condição quando alguém ocupa uma posição de ser orientado, guiado por outro, por exemplo, por um médico, padre, professor… qualquer tutor que lhe ofereça uma forma de como proceder, sem assumir qualquer posicionamento, e as responsabilidades que isto implica, por si mesmo. Assim, a maioridade implica que uma pessoa faça uso de sua própria razão, que assuma por si mesma as responsabilidades de suas escolhas. Kant coloca este fazer uso da própria razão como um ato de ousadia, dizendo: “Ouse saber” (“Sapere Audi“).

Entretanto, por aqui, caímos facilmente numa questão superegóica ou moral de ter que se fazer o uso da própria razão. É difícil entender este “Ouse saber” como algo de uma vontade que pode surgir e que determina se uma pessoa está em menoridade ou maioridade. Se concebemos os mistérios que envolvem a nossa origem e a diferença sexual, considerando que nascemos do sexo, portanto somos sexuados, e sem saber falar (somos seres de linguagem, somos atravessados por ela para sermos quem somos, humanos), encaminhamos à maioridade. Não maioridade penal, claro, as crianças pequenas quando começam a fazer uso da linguagem, não abrem mão de querer saber, investigar, enfim “fazer uso da própria razão”.

É isso que Freud traz de avanço, que podemos fazer uso da própria razão quando consideramos as manifestações do inconsciente em nós, pois isso nos obriga a nos depararmos, a olharmos, a considerarmos esta verdade que surge.

Sendo assim, pensar que a solução do problema da violência, na nossa sociedade atual, seja apenas a punição de adolescentes que cometem uma infração, responsabilizando-os pelo próprio ato em forma da privação da liberdade, é no mínimo perverso. Sim, parece mais fácil pensar que se um(a) adolescente que comete um delito, apenas deve responder por isso em nome próprio sem responsabilizar seu contexto.

Obviamente fere nosso narcisismo reconhecer que muitas crianças e adolescentes não têm uma escola eficiente no seu propósito de educação, ou seja, não têm adultos ao seu redor para lhe transmitir o que se pode ou não fazer, não tem possibilidades mínimas para pedir ajuda quando precisam, não podem brincar, aprender coisas novas, etc. Por isso, dentro desta lógica faz sentido encarcerar delinquentes, não importa a idade.

O reconhecimento da necessidade que precisamos melhorar os cuidados com nossas crianças e adolescentes, considerá-los(las) como tais, implicaria em assumirmos uma responsabilidade que nossa sociedade infantilizada tem muitas dificuldades em fazer. Assim, ao contrário de reduzir a maioridade penal, se fosse realmente o caso, talvez teríamos que ampliar a maioridade penal da nossa sociedade a uma idade indeterminada.

  • KANT, Immanuel. “Respuesta a la pregunta: ¿Qué es Ilustración?”. 2007. p. 17-25